A necessidade de um registo global dos doentes com displasias ósseas em Portugal
e de dar continuidade ao estudo das modificações genéticas na base destas
doenças, que permite um diagnóstico mais eficaz, foram algumas das mensagens
deixadas pelos especialistas em genética molecular na apresentação de um
projecto pioneiro de investigação das patologias associadas às mutações do gene
FGFRT3. A sessão que decorreu esta manhã no auditório da Fundação Luso-Americana
(FLAD), na rua do Sacramento à Lapa, em Lisboa, revelou as principais conclusões
do estudo científico do Serviço de Genética Médica do Hospital Universitário de
Santa Maria, coordenado por Heloísa G. Santos, do Instituto de Medicina
Molecular.
A investigação durou três anos e envolveu 125 doentes
portugueses. Segundo os responsáveis, o objectivo foi conhecer melhor as
características clínicas e moleculares das displasias ósseas, doenças genéticas
que têm como denominador comum a baixa estatura.
Segundo Heloísa G.
Santos, mentora do projecto apoiado pela FLAD, as displasias ósseas, que são
doenças raras, podem ser diagnosticadas precocemente se houver um conhecimento
avançado das alterações genéticas na base de cada doença.
O trabalho incidiu sobre o gene FGFR3 por tratar-se do gene responsável pela
acondroplasia, a displasia óssea mais frequente, mas também de outras com grande
impacto como a hipocondroplasia e a displanasia tanatófora, que conduz à morte
fetal ou logo após o nascimento, e da craniosinostose de Muenke, uma situação
que faz com que as suturas do crânio fechem antes do desenvolvimento estar
completo.
Diagnóstico precoce
Para Maria
Rosário Almeida, geneticista molecular e co-autora do trabalho, a prioridade
neste campo consiste na identificação e caracterização das mutações existentes
nos indivíduos afectados de forma a desenhar uma melhor estratégia de
diagnóstico.
As doenças ósseas de origem genética começam desenvolvem-se
muitas vezes in útero e podem ser diagnosticadas ainda durante a gravidez, antes
de o feto estar completamente desenvolvido.
"O diagnóstico pode
ser feito na fase pré-natal. Os exames são feitos quando há um exame ecográfico
que levanta suspeitas ou quando há historial familiar. Na maioria dos casos, os
bebes já são mais pequenos do que o habitual quando estão in útero",
explicou aos jornalistas Heloísa G. Santos. "
Quando pensamos que estamos
perante uma displasia óssea fazem-se mais depressa testes genéticos. É mais útil
um estudo molecular confirmar que há uma patologia do que esperar que o bebé se
vá desenvolvendo para a resposta chegar tardiamente", sublinhou.
O diagnóstico precoce não é sinónimo de interrupção da gravidez,
reiterou a responsável. "A decisão de IVG, de acordo com a legislação
portuguesa, é decidida pelos pais e não pelos técnicos. Se houver uma displasia
tanatófora, o bebé vai nascer e morrer ou nem chega a nascer, a maioria dos pais
optará por uma interrupção da gravidez. Noutras situações depende do
enquadramento".
O enquadramento pode ser ditado pela realidade dos pais,
adiantou, que muitas vezes sofrem também de acondroplasia e têm um conhecimento
profundo da doença e das suas características.
Doentes podem ter
uma vida normal
Apesar de não se saber quantos casos de
displasias ósseas existem em Portugal, o impacto social da doença é testemunhado
por doentes que descrevem as dificuldades do dia-a-dia, com a acessibilidade
reduzida que dificulta gestos rotineiros como utilizar uma caixa multibanco ou
subir escadas.
"Há situações em que as pessoas têm uma vida
perfeitamente normal, noutras têm complicações especiais, por exemplo quando há
uma doença cardíaca associada. São muitas vezes os problemas associados que
levam à morte precoce", disse Heloísa G. Santos.
Segundo os
responsáveis, os estudos genéticos destas doenças tendem a melhorar as
terapêuticas existentes.
"A identificação destas características vai
proporcionar, daqui a alguns anos, terapêuticas melhor conduzidas",
explicou a coordenadora, daí a importância de um registo confidencial dos
doentes, que não estão sempre a ir às consultas de genética clínica, mas que
devem ter a oportunidade de saber que existem novas terapêuticas disponíveis.
"Quando apareceram os pamidronatos era importante saber que
doentes tinham osteogenese imperfeita para lhes perguntar se queriam fazer esta
terapêutica. Uma pessoa vai ao médico e na altura pode não haver nenhum
tratamento, mas dois anos depois pode haver", frisou Heloísa G. Santos.
O estudo que identificou oito mutações do gene FGFR3 na base de
displasias ósseas, algumas nunca descritas, vem assim possibilitar um melhor
diagnóstico mas também corrigir diagnósticos errados com base na sobreposição de
características comuns às diferenças doenças e que os geneticistas clínicos não
conseguem determinar com certeza, explicou ao Ciência Hoje Maria Rosário
Almeida.
"Este estudo tem várias implicações. Há alguns casos em
que encontrámos mutações novas cujo conhecimento é importante não só para nós
mas para outros geneticistas no mundo que ficam a saber que há um caso em
Portugal e as características que essa criança veio a desenvolver",
sublinhou.
Novos alvos terapêuticos
Maria
Rosário Almeida frisou ainda que ao conhecer-se a causa da doença, isto é, ao
identificar o defeito genético num determinado indivíduo, é possível desenhar
terapêuticas que vão tentar compensar ou corrigir essa alteração.
Com a
indústria farmacêutica a investir neste campo, as novas terapêuticas podem não
tardar. As expectativas do grupo de trabalho são agora investigar mais genes e
estudar mais famílias.
"É preciso dar continuidade, haver apoio
financeiro, implementar o que está a ser feito no laboratório numa base de
rotina, partir para outros genes dentro destas doenças que não foram estudados,
pegar novamente nos casos onde não se encontrou qualquer mutação",
deixou em aberto Maria Rosário Almeida.
fonte: http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=26280&op=all